SEXTO MANDAMENTO - Polícia mata por prazer, aponta PF

SEXTO MANDAMENTO - Polícia mata por prazer, aponta PF

Investigação mostra como era atuação dos PMs acusados de participar de grupo de extermínio.
Publicação:03-03-2011 ás 08h23min
Os inquéritos desenvolvidos pela Polícia Federal revelaram como ocorreram os supostos crimes de extermínio praticados por policiais militares em Goiás. A investigação policial apurou as circunstâncias em que ocorreu violência e a naturalidade com que os policiais militares atiravam nas vítimas. Em alguns casos, os militares demonstravam prazer de ter sangue na farda após um dia de trabalho e disfarçavam o crime com a montagem da suposta "morte em confronto".

Os detalhes da Operação Sexto Mandamento da Polícia Federal - que prendeu 19 PMs no último dia 15 de fevereiro, acusados de integrar grupos de extermínio responsáveis inclusive pelas mortes de mulheres, crianças e jovens sem ligação com o crime - constam de inquéritos instaurados pela PF para apurar e desarticular os responsáveis pelos crimes. O POPULAR teve acesso exclusivo a um dos inquéritos. São 128 páginas num documento que contém minúcias da atuação dos acusados, com dezenas de transcrições de escutas telefônicas, resultados de oito meses de investigação.

O inquérito aponta ligações com membros dos Poderes Executivo e Legislativo e com o alto comando da Polícia Militar - que se estabeleceriam por meio de troca de favores, acobertamento de crimes, repasses de dinheiro e promoções dentro da corporação - que teriam permitido ao suposto grupo de extermínio se estabelecer de maneira hegemônica e permanecer impune com o passar dos anos.

Segundo os autos, os PMs criaram grupos e esquemas com transporte ilegal de valores em viaturas da Rotam, segurança particular de postos de combustível e outras empresas com a estrutura da policial. Há ainda relatos de casos de assassinatos de colegas de farda (prováveis delatores do grupo), além de atentados contra policiais e ameaças a policiais civis e delegados de polícia.

"A conivência do comando da corporação, que nos bastidores apoia essas execuções", diz um trecho introdutório do documento, e o "apoio político que o grupo possui a fim de se proteger, vez que as esferas executiva e legislativa ainda não alcançaram o amadurecimento necessário para permitir que os atos administrativos sejam feitos de forma impessoal", configura a troca de favores entre agentes do Estado e policiais supostamente envolvidos nos crimes.

"Pelo fato do grupo possuir ligações políticas com a Secretaria de Segurança Pública e governo do Estado, conforme ficou patenteado no decorrer das investigações, dificilmente os subordinados (delegados e peritos) irão contra o sistema, sob pena de serem perseguidos", diz o texto.

Direitos Humanos
As investigações começaram em abril de 2010, quando uma equipe de policiais federais de outros Estados chegou a Goiânia, acionada pelo Ministério da Justiça. A PF entrou no caso por três motivos: o aparelhamento que o grupo conseguiu instaurar no Estado (ligações com o poder), que impediam a própria Segurança Pública (Polícias Civil e Militar) de apurar os crimes; o fato de o grupo ter atuação também fora de Goiás; e o forte indicativo de desrespeito a tratados de direitos humanos pactuados entre o Brasil e a comunidade internacional.

Constam nos inquéritos que, de 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, 117 pessoas foram assassinadas em Goiânia por militares. Dos 117 mortos, quase metade (57 pessoas) não tinha ficha criminal. Entre 2000 e 2010, 25 pessoas desapareceram após abordagens policiais em Goiânia, número que supera o de goianos desaparecidos durante a fase mais crítica da ditadura militar no Brasil, de 1968 (quando foi redigido o Ato Institucional número 5, o AI5) a 1979, quando foi assinada a Lei da Anistia. O fato foi apontado com exclusividade pelo POPULAR, no mês de janeiro, em reportagem sobre os desaparecidos da democracia.

"Todos esses fatos, aliados às solicitações da Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, OAB, Igreja Católica, entre outros, fizeram com que se estabelecesse a necessidade premente de designação de equipe policial para apurar os fatos, conforme determinação do Ministro da Justiça", diz a parte introdutória do inquérito.

Rapaz morreu sem socorro
Um juiz da comarca de Rio Verde é citado em várias transcrições de escutas telefônicas e há ainda gravações de ligações dele com os acusados de integrar grupos de extermínio. Numa delas, ele demonstra ter um acordo de doação para a campanha do então major Ricardo Rocha; noutra, dois interceptados elogiam a presença do juiz num evento de confraternização da Polícia Militar em Goiânia, em que o juiz teria chegado vestindo a camiseta da Rotam. Oficiais da PM e outro magistrado estariam presentes na festa.

Durante o encontro, um rapaz teria tentado furtar um computador no interior de um dos veículos no estacionamento. Um policial, ao ouvir o barulho do vidro do carro sendo quebrado, correu em direção ao rapaz e disparou um tiro. O suposto ladrão não estava armado e, segundo as escutas da PF, agonizou durante dez minutos sem socorro. Morreu ali, durante a festa, diante de todos.

Quanto à questão da falta de socorro, a informação que o áudio traz é a de que o Ministério Público teria proibido os policiais militares de prestar socorro quando a vítima é alvejada pela própria PM, diz o inquérito da PF. E mais à frente, indaga: "Com juízes de direito no local, isso não poderia ter sido resolvido de outra forma? Por que razão a vítima teria agonizado antes de morrer, diante de tantas autoridades, sem que ninguém tomasse providência?".

Uma mulher, presente ao encontro, teria se indignado com o ocorrido. Numa das transcrições, o PM imita a mulher: "'É o cúmulo do absurdo, é uma vida humana'. Eu falei: Uai! Leva ele pra senhora". O policial do outro lado da linha pergunta: "Mas deu só um tiro nele?". O interlocutor responde: "Só um tirão. Mei na cacunda, mei no rim, mei nas costas, né? Aí ele morreu. Morreu lá. Nem sangrou". O outro encerra: "Nill total".

Texto: O Popular

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