Prisão de PMs encoraja famílias a denunciar casos de sumiço

Prisão de PMs encoraja famílias a denunciar casos de sumiço

Quantidade de queixas à polícia federal triplica, mas muitas delas têm poucas informações
Publicação - 19-02-2011 ás 17h54min


A deflagração da operação Sexto Mandamento - em que 19 policiais militares de Goiás foram presos pela Polícia Federal, acusados de integrar grupos de extermínio possivelmente responsáveis pelas mortes de pelo menos 50 pessoas nos últimos 10 anos - triplicou o número de denúncias de supostas vítimas de violência policial em Goiânia e no interior.

A ampla divulgação da prisão dos militares encorajou familiares de desaparecidos após abordagens da PM ou de mortos em supostos confrontos com a PM a procurar o Ministério Público, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e principalmente a Polícia Federal. Os grupos de extermínio em atuação dentro da Polícia Militar de Goiás seriam responsáveis pela morte inclusive de mulheres e crianças sem qualquer ligação com o crime, afirma a PF.

Na Sede da Polícia Federal, no Setor Marista, em Goiânia, o número de documentos e dossiês com cartas, fotografias e outras pistas no protocolo do órgão teve aumento significatvio, mas a maior parte das denúncias é feita via e-mail (denuncia.srgo@dpf.gov.br). A PF não quantificou a média de denúncias recebidas antes da operação, mas garante que a quantidade de procuras aumentou em três vezes depois da prisão dos militares. A maior parte das denúncias se refere a casos antigos, sem respostas por parte das autoridades. Muitas chegam com falhas, falta de informação ou dados incorretos, o que dificulta a apuração.

"Novos casos começam a aparecer, pessoas começam a levar dados. Isso tende a se intensificar, na medida em que mais casos são divulgados. Quanto mais gente denuncia, mais os familiares perdem medo de retaliação", acredita o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, Fábio Fazzion.

 Do dia em que foi deflagrada a operação Sexto Mandamento (terça-feira, dia 15), até ontem, familiares de dois desaparecidos no interior e de um rapaz morto em Formosa buscaram ajuda da comissão. "O aumento das denúncias diz respeito à iniciativa das pessoas, que finalmente se sentem encorajadas a buscar justiça, e não necessariamente ao aumento de casos de violência", diz Fazzion. Quando surgiu a comissão da Assembleia, em 2003, o número de denúncias era inferior a 10 por ano.

A partir de 2006, pouco menos de 20 casos eram registrados. Em 2007 foram 31 e, de lá para cá, o número só aumentou: 34 em 2008, 66 em 2009 e 69 no ano passado. "Resguardamos a identidade dos denunciantes", garante Fazzion.

Major é transferido para presídio do MS
O major Alessandri Rocha Almeida foi transferido na quarta-feira para o presídio de segurança máxima de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. No local, já estavam outros 17 presos na Operação Sexto Mandamento, realizada pela Polícia Federal para prender policiais militares acusados de participarem de um grupo de extermínio que agia em Goiás. O capitão André Ribeiro Nunes, que estava no presídio sul-matogrossense, foi transferido de volta para Goiânia.

Alessandri é suspeito de participar da morte da empresária Marta Cozac e do sobrinho dela, Frederico Talone, em 1996, e também da morte de Wagner Silva Moura, durante a desocupação da invasão do Parque Oeste Industrial, em 2005.

Delação
O Ministério Público e a Polícia Federal têm procurado manter o sigilo das investigações. Fontes do POPULAR informaram que os ivestigadores ainda monitoram ligações para tentar desvendar os crimes atribuídos ao grupo. Os agentes também trabalham com a delação premiada, quando um envolvido pode ter pena menor se colaborar com a apuração. Pelo menos um dos presos está colaborando, segundo fontes do POPULAR.
Há indícios fortes contra pelo menos 17 dos presos. Além de supostos criminosos, os policiais também são acusados de matar mulheres e crianças que testemunharam os crimes. Nenhum corpo foi ainda encontrado.

Defensoria Pública pedirá indenização para famílias
Marília Costa e Silva


A Defensoria Pública da União em Goiás deve entrar, na semana que vem, com ação coletiva na Justiça Federal pedindo que o Estado de Goiás seja compelido a indenizar as famílias de todas as vítimas mortas por policiais militares que integram um grupo de extermínio que agia em Goiás.
O defensor público federal da área de Direitos Humanos e Tutela Coletiva, Adriano Cristian Souza Carneiro, justifica a ação afirmando que o Estado deve ser responsabilizado pelo caso pois se omitiu ao não descobrir os culpados pelos desaparecimentos e pelas mortes de mais de 40 pessoas no Estado ao longo de mais de 10 anos.

Omissão

Além de omissão, Adriano Cristian afirma que o Estado deve indenizar as famílias porque os crimes foram cometidos por agentes públicos que tinham a obrigação de garantir a segurança da população. "A responsabilidade do Estado nesse caso é objetiva, não havendo, nesse caso, necessidade de se apurar e delimitar individualmente quem foram os autores de cada crime", explica.

Segundo o defensor público federal, ele está aguardando apenas ter acesso aos autos do inquérito instaurado pela Polícia Federal para ter mais informações que possam respaldar de forma mais completa o processo indenizatório. "As famílias tem de ser ressarcidas de alguma forma pelo sofrimento enfrentado ao longo dos anos com o desaparecimento dos parentes", diz.

Câmara de Goiânia fez denúncia em 1999
Cento e cinquenta e nove pessoas foram mortas em ações policiais entre 1994 e 1999 em Goiás. Das 47 mortes ocorridas em Goiânia neste período, apenas oito inquéritos foram instaurados para apurar os casos. Os dados são do relatório final da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Goiânia, referente àquela legislatura.
O documento aponta que a maior parte das ocorrências se deu por "despreparo da PM contra as vítimas, normalmente caracterizado como acidente ou legítima defesa (por parte do policial)". Há dados relativos à ocorrências envolvendo policiais fora de serviço.
Na conclusão, o relatório com mais 250 páginas de estatísticas da PM, cópias de inquéritos, depoimentos, tabelas com nomes de vítimas da PM e também de policiais mortos em ação, laudos cadavéricos e cópias de ofícios da Câmara solicitando informações, diz ainda que "conforme os dados recebidos, constata-se que mais de 80% dos casos de homicídio praticados pela polícia não são apurados, sequer são instaurados os inquéritos".
E informa também que "os dados gerais sobre vítimas colhidos por autoridades responsáveis pelo inquérito policial são incompletos".
O relatório, ao qual O POPULAR teve acesso, contém muitas falhas e documentos incompletos. Mas seria o primeiro levantamento realizado pelo Poder Legislativo em Goiás sobre violência policial. "Grupos de extermínio existem há muito tempo dentro da PM, esse relatório prova isso. Não se pode generalizar, a PM tem homens honrados, mas sempre houve bandidos de farda, que agem como dobermans perante os cidadãos", diz o vice presidente da comissão à época, o vereador Djalma Araújo. "Ouvimos várias pessoas, parentes de mortos e pessoas ameaçadas pela polícia. Eu mesmo fui ameaçado, recebi ligações telefônicas, disseram que iriam me eliminar", alega.
Assim que ficou pronto, o documento foi encaminhado ao Ministério Público e, segundo o vereador, nunca houve resposta à Câmara. A assessoria de imprensa do MP não conseguiu localizar o relatório ontem. "A verdade é que nunca tiveram interesse em investigar esses casos. Também encaminhei o relatório à Assembleia Legislativa e à Anistia Internacional, mas eu nunca tive resposta, isso foi muito frustrante e me desmotivou a voltar a mexer com isso durante estes anos (de 1999 até hoje, já que ele ainda é vereador)", alega.
Um ofício da Polícia Militar anexado ao documento diz que grande parte das informações quanto às condições em que as pessoas foram mortas não puderam ser disponibilizadas porque faltavam dados como ano da ocorrência, filiação, data de nascimento e RG das supostas vítimas da Polícia Militar.

Texto: O Popular

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